Das teorias à televisãoO impacto das séries televisivas na perceção social do autismo em Portugal
- da Silva Fernandes Fontes, Rosa Maria
- Margarita R. Pino Juste Director
Universidade de defensa: Universidade de Vigo
Fecha de defensa: 02 de decembro de 2022
- Lia Raquel Moreira Oliveira Presidente/a
- Julia María Crespo Comesaña Secretario/a
- José Antonio Marín Marín Vogal
Tipo: Tese
Resumo
Vive-se hoje numa sociedade democrática, complexa e multifacetada. Por definição a sociedade tem de saber responder às questões que se lhe apresentem e garantir a satisfação das necessidades da população, assim como a integração de todas as pessoas independentemente das suas diferenças ou condições. Se por um lado se pode usufruir de uma grande quantidade de informação que está disponível para todos, na realidade a sociedade continua a enfrentar desafios e a tentar encontrar respostas para questões tão delicadas como a da integração social. Observam-se muitos comportamentos de diferenciação, segregação e preconceito, nomeadamente relativos a pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo, que afastam e dificultam a possibilidade de uma adequada integração destes indivíduos na sociedade. As perturbações do espectro autista (PEA) caracterizam-se principalmente por dificuldades ao nível de três áreas fundamentais ao funcionamento humano: comunicação, socialização e comportamento (Wing, 1981). O autismo apresenta um desafio societal a todos os envolvidos: às crianças portadoras desta síndrome, aos pais, aos familiares, aos educadores/cuidadores (professores), aos técnicos de saúde, à classe científica, aos media e à sociedade em geral. A sociedade atual é uma sociedade digital onde muita comunicação e aprendizagem é realizada através dos media (internet, televisão, entre outros). Muita informação é partilhada e apreendida pela sociedade através dos media. Esta realidade levanta inevitavelmente a questão da fiabilidade e veracidade da informação que circula nestes meios. Segundo Levy (2011), o que na realidade se verifica é que a comunicação é utilizada para manipular a opinião pública transformando-a numa espécie de inteligência coletiva, onde mais relevante do que a veracidade da informação, o que fica retido, é a ideia que é construída e transmitida. Isto faz com que já não haja confiança na objetividade dessa informação. As séries de televisão são uma ferramenta muito importante na disseminação de informação nomeadamente sobre a problemática do autismo (Baron-Cohen, 2015). O autismo é hoje um tema muito falado e discutido na sociedade, com múltiplos programas, filmes, documentários e séries a abordarem as questões relativas a esta condição. Em algumas séries o personagem principal representa um indivíduo com PEA. É de cabal importância perceber se estes retratos de autismo são representativos do mesmo. Assim, através de uma análise crítica e interpretativa, esta investigação define como principais objetivos: analisar a representação do autismo na série televisiva “The Good Doctor”, para determinar a qualidade da representação do autismo que é transmitida e analisar a perceção do autismo que é criada pela série na sociedade portuguesa. Adicionalmente pretendeu-se averiguar a relevância social das séries e o conhecimento de autismo adquirido pela população. Foram consideradas as perceções de pais de filhos com PEA, a opinião de especialistas em autismo e informações disponibilizadas pelos cineastas da série. Este estudo incluiu uma amostra da população espanhola para validação cultural, isto é, entender se, no futuro, este estudo pode ser replicado em países de língua oficial espanhola. Para atingir estes objetivos adotou-se um enfoque crítico e interpretativo e uma metodologia mista com realização de questionários e análise documental. A amostra populacional selecionada é não probabilística, intencional, combinada, constituída por 220 participantes, com 20 pais de filhos com autismo, 100 elementos da população geral portuguesa e 100 elementos da população geral espanhola. A amostra documental integra os 18 episódios da primeira temporada da série The Good Doctor, 3 entrevistas em vídeo realizadas a realizadores/cineastas e 5 publicações escritas sobre a opinião de especialistas. Os resultados mostram que o retrato de autismo criado nesta série apresenta grande qualidade no que respeita aos critérios de diagnóstico, uma vez que todos os critérios de diagnóstico presentes no manual de diagnósticos DSM-5 estão corretamente e devidamente representados. No entanto, este retrato demonstra limitações quanto à demonstração da diversidade e complexidade do espectro do autismo, aspeto que pode influenciar negativamente a representação da realidade autista e a perceção de autismo criada pela população. A perceção de autismo criada pelos espectadores indicou alguns aspetos positivos no que toca à aquisição de conhecimento sobre o autismo, mas também algumas ideias erradas e irrealistas sobre as pessoas com autismo. Os especialistas em autismo reconhecem a possibilidade de os retratos de autismo contribuírem para o aumento do conhecimento sobre autismo, assim como para a consciencialização e sensibilização da população, mas alertam para os riscos de transmissão de desinformação. Os cineastas desta série apresentaram objetivos e mensagens concretas e bem definidas, focadas na inclusão social e na qualidade do retrato apresentado. Tiveram a preocupação de incluir na equipa de trabalho uma profissional especializada em autismo para garantir a qualidade e veracidade do retrato de autismo. Conclui-se que séries como The Good Doctor, têm potencial pedagógico e educativo para a sociedade, mas que, por outro lado, pode ser uma fonte de desinformação com grande impacto social. Ainda existe um longo caminho a percorrer para que esse potencial pedagógico se torne real e se mostre efetivamente superior ao risco de desinformar a população e, involuntariamente contribuir para fenómenos sociais como a discriminação e exclusão social. Esta investigação contribui para conhecer a influência que séries como The Good Doctor têm na perceção de autismo que a população cria, assim como recolher informação que permita transformar a desinformação em conhecimento e a discriminação em inclusão social. Adicionalmente este estudo pretende contribuir para a construção de uma sociedade mais esclarecida, mais justa, equitativa e integrativa para os portadores de autismo e para as suas famílias.